Nada melhor do que brindar o 40º aniversário do carismático modelo 917 da Porsche, escrevendo e dando a conhecer os meandros do mais célebre filme sobre o desporto automóvel e em que um dos principais protagonistas automóveis intervenientes, é justamente essa mesma lenda chamada 917.
Steve Mc'Queen, num intervalo entre filmagens....
Mas dizer que a produção do filme “Le Mans” foi complicada, é puro desconhecimento dos factos.
Sendo o automobilismo muitos anos antes de 1970 uma antiga paixão do actor “Steve Mc’Queen”, este que era já uma verdadeira estrela, sonhava participar numa película cujo tema fossem as próprias competições automóveis.
Quando não se encontrava em rodagens cinematográficas, não era inusual encontrá-lo em participações tanto de duas como de quatro rodas.
No ano de 1970 ao volante de um Porsche 908, participava em provas como preparação das dobragens para a realização do filme que iria ser rodado sobre a mítica prova francesa das “24 Horas de Le Mans”. Nesta preparação, chegou a classificar-se em 2º nas 12 Horas de Sebring, tendo tido como companheiro Peter Revson.
Mas os preparativos para a realização do filme haviam começado alguns anos antes. O verdadeiro trabalho no entanto, só teve início em Janeiro de 1970, com a construção da complexa “Vila Solar”, assim chamada, por ser a “Solar Productions” a companhia de “Steve Mc’Queen”. Este projecto envolveu uma avultada soma monetária. As construções tipo “barracão” foram usadas como oficinas, guarda-roupas e departamento de manutenção do material cinematográfico.
A equipa de produção, dezenas de actores, pilotos para as dobragens, etc., deviam ser alojados na área de Le Mans e era necessário alimentarem-se três vezes por dia, acrescentando-se ainda uma armada de carros que haveriam de ser as estrelas do filme. Alugou-se uma grande garagem, onde se preparavam todos os carros de competição.
Tendo-se este filme “Le Mans” baseado na própria prova que se viria a realizar em Junho de 1970, era essencial encontrar e alugar os mesmos carros que se encontrassem a competir naquela edição da prova. Quando as câmaras começaram as filmagens em finais de Junho e princípios de Julho, todas as máquinas que participaram na rodagem estavam preparadas. A “Solar Productions” tinha já tantos carros que quase poderia fazer a sua própria corrida. Estavam incluídos quatro Ferrari 512, quatro Porsche 917, um Porsche 908, um Matra 650, um Alfa Romeo 33, uma equipa de Lola T70, um Chevron B16 e vários Chevrolet Corvette, Porsche 911 e Porsche 914. Um dos carros sofreu uma verdadeira modificação, tendo-se tornado verdadeiramente especial para usá-lo como carro câmara, um Ford GT 40 da equipa “Gulf”. Este carro propriedade de “John Wyer”, tinha o nº de série 1074 e havia anteriormente ganho os 1000 Km de Monza. Depois de o ter comprado, a “Solar Productions” contratou John Wyer para o modificar e poder montar múltiplas câmaras durante a rodagem. Foi-lhe cortada a capota, montou-se-lhe um segundo assento e um complexo conjunto de câmaras. Jonathan Williams foi o piloto contratado para pilotar este e muitos outros carros durante a rodagem.
O Ford Gt40 em plena acção de registo de imagens
O mesmo carro ladeado por outro da mesma equipa de John Wyer, mas em versão normal
Ainda o mesmo modelo, mas interpretado pela "Fly", sendo a primeira referência da série "Making of Le Mans".
Durante a prova real, Jonathan Williams e o piloto oficial da equipa Porsche, Herbert Linge, foram contratados para pilotar um Porsche 908 propriedade da Solar Productions, com três câmaras de 35mm montadas a bordo, uma montada à frente e duas atrás. Atendendo a que houve necessidade de parar muitas vezes durante a corrida para substituição dos filmes, o carro terminou ainda assim, num respeitável e honroso oitavo lugar da classificação geral.
Nestas duas imagens, o descaracterizado Porsche 908 Flunder, equipado com três câmaras que seguiu por dentro a totalidade da prova, vindo a finalizar a mesma no oitavo lugar final.
Junto dos pilotos que realizavam as sequências havia muitos actores profissionais, que interpretavam o papel de pilotos, mecânicos, chefes de equipas, noivas e esposas, mas a grande estrela era “Steve Mc’Queen”, que interpretava o papel de piloto oficial da equipa Gulf, Michael Delaney.
Contratou-se então uma pequena equipa de guionistas para criar um. Mas quando as câmaras estavam prontas para entrar em acção, ainda não havia uma história.
Como resultado, uma grande parte da rodagem durante o primeiro mês, realizou-se em pista, mas com muito pouca actividade. Os pilotos contratados faziam muito pouco.
Contratou-se então para dirigir a película o veterano John Sturges, que tinha já alguns êxitos como por exemplo, “A grande evasão” e “Os sete magníficos”, ambos protagonizados também por Steve Mc’Queen.
Conforme o tempo ia passando, John Sturges e a pequena equipa de guionistas ia entrando em desacordo no que respeitava à linha a seguir. Esta situação começou a ficar muito cara à “Cinema Center Films”, que subsidiava esta rodagem cinematográfica. Finalmente, o desacordo entre Steve M’cQueen e John Sturges, acabou por provocar o abandono deste último. A rodagem ficou suspensa, até se encontrar um novo director. E seria Lee Katzin a ocupar esse lugar, apesar de ser maior a sua experiência na área da TV do que propriamente do cinema.
Realizar um filme de acção como “Le Mans”, tornou-se um processo exageradamente lento. Se não fosse possível realizar as cenas nos estúdios, então era necessário deslocar todo o staf para as várias secções da pista, para rodagem de cenas muitas vezes intermináveis. Era um processo tedioso. Os ângulos de filmagem tinham que ser comprovados uma e outra vez e a luz tinha que estar correcta. Os actores tinham que fazer aquilo que lhes era pedido. Que carro tinha que se adiantar, em que lugar, enfim, realizar os planos pretendidos e estipulados pelo realizador. Algo a que os pilotos não estavam habituados pois a sua tendência natural era para a competição. Tornava-se-lhes difícil ultrapassar e depois deixar-se passar. Muito embora as quantias monetárias que lhes eram pagas, muitos dos pilotos aborreciam-se por estarem sentados a maior parte do tempo, à espera que as câmaras se pusessem em funcionamento de acordo com a iluminação correcta. Alguns desistiram mesmo, mas outros aguentaram durante todo o período da rodagem, que se prolongou por uns desesperantes seis meses.
A primeira cena foi protagonizada pelo Ferrari 512. Contudo, esta cena correu bastante mal e o realizador perdeu o controlo da situação, vindo o modelo a incendiar-se e a fazer um pião de 180 graus, dirigindo-se para uma zona onde se encontrava bastante gente amontoada. “Corram , está fora de controlo”, gritava o realizador…Felizmente o carro imobilizou-se junto aos rail’s, com danos menores. A segunda tentativa levada a cabo alguns dias mais tarde, correu perfeitamente. O Ferrari percorreu a pista, subiu a rampa sobre o morro de areia tal como programado, vindo a cair através das árvores, com a maior parte da sua estrutura aos pedaços.
Mas durante as rodagens, houve ainda dois acidentes não programados, o primeiro registado pelo Ferrari 512 S com Derek Bell ao volante, tendo-se incendiado quando este voltava ao ponto de partida. O piloto não se libertando suficientemente rápido dos cintos de segurança, não evitou algumas queimaduras na zona do rosto que o levaram ao hospital, levando algum tempo a sarar. O modelo no entanto acabaria por ser completamente consumido pelas chamas. O segundo, foi mais grave e protagonizado pelo piloto inglês David Piper, num Porsche 917. Encontrava-se a dar uma volta a alta velocidade e na segunda secção da pista, em “Maison Blanche”, perdeu o controlo do carro embatendo violentamente nos rail’s. David Piper ficou encarcerado no habitáculo, mas afortunadamente o mesmo não se incendiou, o que permitiu à equipa de socorro fazer o seu trabalho. Uma das pernas ficou bastante desfeita o que obrigou a que fosse evacuado para Inglaterra, onde os médicos optaram pela amputação de parte da mesma até ao joelho. Levou mais de um ano até à sua recuperação. Hoje, este piloto ainda se mantém em actividade, em provas de modelos clássicos.
Quando em 1971 se estreou o filme, os críticos foram muito amáveis com “Le Mans”. Se queres ver corridas de carros como muita gente gosta, o filme é para ti, mas muita gente deseja um guião consolidado e este não é o caso. Apesar de tudo, seria injusto não dizer que um filme sobre corridas como este, é irrepetível. Já fez 30 anos que Steve Mc’Queen se foi, mas o filme continua bem vivo.
Viva Amigo Mota.
ResponderEliminarUm verdadeiro tratado.
Eu poria em duas ou três partes, mas...
Cumprimentos de
J.C.Nogueira
Um tratado, não sei, mas que deu trabalho.......lá isso deu....
ResponderEliminarUm braço amigo Nogueira
Muito bom. Espetactácular.
ResponderEliminarAbraço
Augusto
Bolas, acho tiro o chapéu a este artigo... :O
ResponderEliminarE já que estamos a falar em pipocas, propunha um "meeting" com jantar em que estaja incluída a exibição do filme? :)
Nad mal lembrado Sr. Hugo.
ResponderEliminarE porque não?
Isso pode ser pensado.... apenas um problema se pôe.
Onde fazer esse jantar com direito a leitor de DVD?
Um abraço